Extremos
 
COLUNISTA ROBERTA ABDANUR
 
Encontrado os corpos de Nardi e Ballard, no Nanga Parbat
 
texto de: Roberta Abdanur
10 de março de 2019 - 12:20
 
Nesta foto tirada com o telescópio por Alex Txikon e sua equipe é visível Daniele Nardi - no canto superior esquerdo - jaqueta laranja - Tom Ballard no meio - jaqueta azul - ea barraca um pouco abaixo de Tom. Foto: Alex Txikon
 
  Roberta Abdanur  

Terminou a busca pelos alpinistas Daniele Nardi e Tom Ballard, que estavam desaparecidos no Nanga Parbat desde 24 de fevereiro.

A equipe de resgate foi liderada pelo basco Alex Txikon, junto aos espanhóis Felix Criado e Ignacio De Zuloaga transportados do K2 com helicópteros e os paquistaneses Ali Sadpara e Rahmat Ullah Baig, além de um médico, Dr. Josep Sanchis.

Foram dias intensos de buscas. Os helicópteros, no entanto, graças aos esforços do Embaixador italiano, Stefano Pontecorvo em Islamabad, continuaram a voar mesmo após o Paquistão fechar seu espaço aéreo devido o aumento das tensões com a Índia sobre a região de Kashmir.

De acordo com as últimas observações feitas com o telescópio e com base nas inspeções realizadas no Mummery por Alex Txikon e sua equipe, os corpos dos dois alpinistas estão localizados um pouco acima do acampamento 3 do Nanga Parbat, a cerca de 5.900 metros.

Dada a posição, cada missão neste momento seria uma tarefa extremamente perigosa. Na área entre C2 e C3, o risco de avalanche é muito alto. Infelizmente, é muito difícil recuperar os corpos antes da próxima temporada de inverno.

Nardi, italiano, 42 anos, de Sezze, província de Latina no Lazio, tinha um filho de seis meses, Mattia. Ele já havia escalado cinco montanhas acima de oito mil metros, como diz em sua biografia “o primeiro italiano a nascer abaixo do Po a ter escalado Everest e K2”, escalou também o Broad Peak, Nanga Parbat, Shisha Pangma e esta foi a sua quinta expedição no Nanga Parbat. A montanha, de certa forma pelo esporão Mummery, tornou-se uma idéia fixa e um sonho “impossível” de Nardi, seguido em duas tentativas anteriores em 2013 e 2015, criticado e descrito como impossível segundo os maiores nomes do Alpinismo. Nardi também foi reconhecido como Embaixador dos Direitos Humanos, apoiou projetos de solidariedade no Nepal e no Paquistão. Juntamente com a Associação de Arte e Cultura para os Direitos Humanos, promoveu a campanha da Juventude Mundial com o objetivo de divulgar os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos para os jovens de todo o mundo.

Ballard, inglês, 30 anos, um montanhista experiente, em 2015, tornou-se o primeiro a escalar todas as seis faces norte dos Alpes em uma única temporada de inverno. A sua morte atingiu particularmente o Reino Unido, por ser filho da alpinista inglesa Alison Hargreaves, a primeira mulher a escalar o Everest sozinha. Alison escalou o Eiger quando estava grávida de seis meses de Ballard, morreu aos 33 anos quando desceu do cume do K2.

Importante destacar a questão diplomática, em situação de emergência de um compatriota no estrangeiro uma das primeiras pessoas a agir é o embaixador, neste caso o Sr. Pontecorvo, Embaixador italiano no Paquistão, que inclusive esteve com Daniele em dezembro, e o descreve como um jovem apaixonado, que se ilumina quando fala sobre montanhas, querido e apreciado no Paquistão, onde fez muito o bem. Nos últimos dias o Embaixador teve de gerir uma situação diplomática difícil onde o montanhismo se mistura com a situação política delicada criada após a derrubada de duas aeronaves indianas pelo exército paquistanês. Uma faísca de uma guerra que exigia uma super dose de trabalho diplomático para liberar os helicópteros que permitiu iniciar o trabalho de busca.

O Nanga Parbat é a nona montanha mais alta do mundo. Assim como o Annapurna e K2, há um alto grau de risco para aqueles que tentam o cume. Por sua história dramática e taxa de mortalidade, cerca de 30%, é chamada de "a montanha assassina”.

Foi escalado com sucesso apenas duas vezes no inverno: a primeira em 2016 pelo italiano Simone Moro e sua equipe, e no ano passado por dois montanhistas, o polonês Tomek Mackiewicz, que morreu na descida, e a francesa Elizabeth Revol, viva graças aos esforços de uma equipe de resgate composta por alpinistas experientes e aclimatados, transportados do K2 com helicópteros. No caso de Daniele Nardi e Tom Ballard, a tentativa foi repetida, mas infelizmente não havia mais nada a fazer.

Segue abaixo o comunicado oficial da família de Nardi e o report completo do Alex Txikon sobre a busca. 

“Estamos devastamos por informar que a busca por Daniele e Tom terminou. Uma parte deles permanecerá para sempre no Nanga Parbat. A dor é forte; diante de fatos objetivos e, depois de fazer todo o possível para a busca, devemos aceitar o que aconteceu.
Agradecemos a Alex, Ali, Rahmat e toda a equipe de resgate, às autoridades paquistanesas e italianas, aos jornalistas, aos patrocinadores, a todos os amigos que demonstraram tanta colaboração e generosidade.
A família se lembra de Tom como um amigo competente e corajoso de Daniele. Nossos pensamentos vão para ele.
Daniele continuará sendo marido, pai, filho, irmão e amigo, perdido por um ideal que, desde o início, aceitamos, respeitamos e compartilhamos. Gostamos de lembrar como você realmente é: amante da vida e das aventuras, escrupuloso, corajoso, leal, atento aos detalhes e sempre presente em momentos de necessidade.
Mas acima de tudo, gostamos de lembrar de suas palavras: “Eu gostaria de ser lembrado como um cara que tentou fazer algo incrível, impossível, mas que não desistiu e se eu não retornar a mensagem que vem ao meu filho é esta: não pare, não desista, ocupe-se porque o mundo precisa de pessoas melhores para fazer da paz uma realidade e não apenas uma idéia… vale a pena fazer.”

família de Nardi

Report completo de Alex Txikon:

Depois de três longos dias de incerteza e desconforto, finalmente, os helicópteros do exército paquistanês nos buscou no acampamento base do K2 ao meio-dia no domingo, 3 de março, e se dirigiu ao Nanga Parbat. No primeiro helicóptero Felix e Ignacio, no segundo eu e Josep. Entre as duas equipes, mais de 50 kg de material para operações de busca e salvamento entre os objetivos, câmeras, drones e materiais para se estabelecer nos campos.

As condições entre Concordia e Goro1 eram de pouca visibilidade. Vôos de helicóptero não são instrumentais, então a visibilidade é a chave.

Uma vez em Skardu, analisamos a situação com os pilotos da quinta unidade Fearless5 e seguimos para Juglot. Após o reabastecimento, partimos para o vale Diamir porque as condições na área de Fairy Meadow no lado Raikot não eram favoráveis.

Voamos sobre o vilarejo Diamoroi e de lá para a cidade de Ser, até então parecia não haver problemas particulares, quando de repente entre Ser e Kachal uma névoa espessa tornou impossível pousar na área arborizada com pouca visibilidade, forçando-nos a mudar de direção.

Uma vez em Skardu, a atmosfera é tensa por não conseguir chegar ao destino. Nossos pensamentos estão no Mummery. Às 9h30 na segunda-feira 4, finalmente, nos telefonaram dizendo para irmos, e em menos de meia hora já estávamos no vôo. Pousamos em Juglot para reabastecer e de lá, fomos para o acampamento base do Nanga.

Desta vez, o clima era promissor e encurtarmos a inclinação da Raikot, sobrevoando sobre o Peak Ganali para entrar na Diamir. Quantas memórias em rever o Nanga Parbat 8126m, um arrepio percorre em nosso corpo com a visão de tanta beleza. Mais de 5800m sobre Messner e via Kinshofer passam sem sucesso.

No C1 a 4850m abaixo do planalto Mummery vimos que Ali, Imtiyaz e Dilawar construíram o heliporto, e nos esperam. Nos dirigimos para o acampamento base, jogamos nossas malas no heliporto do acampamento base, onde a primeira equipe de Ignacio e Felix já havia pousado, para facilitar o desembarque com algumas manobras muito perigosas. Descansei sozinho no helicóptero por mais de 30 minutos para monitorar todo o esporão Mummery entre 7000 e 5500 metros: estamos diante de uma missão muito complicada, Nanga é uma das maiores montanhas do planeta e a parede do Diamir sobe para mais de 4.000 m acima do campo base.

Depois de mais de 12 vôos de reconhecimento, as condições foram se agravando ficando muito mais perigoso, então com uma outra manobra muito difícil, pousamos no C1. Aqui, Ali Sadpara e eu nos abraçamos, enquanto Ignacio, Felix e Josep começaram sua subida do cambo base para o C1.

Ali Sadpara, Dilawar e eu não perdemos tempo e percorremos por onde da acesso ao Mummery, Imtiyaz aguardava o resto da equipe em C1. Começamos a escalar com grande determinação. Chegamos ao C2 a 5600m que foi completamente destruído por uma suposta avalanche. Continuamos a subir até o ponto em que Daniele e Tom entraram em contato pela última vez no C4.

Chegamos a um local razoavelmente seguro e inspecionamos o solo a 500 metros acima de nós, sem sucesso algum. A primeira avalanche já nos avisou, mas o que vem a seguir é enorme. A verdade é que fomos muito sortudos e dotados de sangue frio. Para falar sobre escaladas de inverno você precisa saber do que está falando, tem que experimentar esse tipo de situação; você tem que entender o movimento do gelo, buscar todas as informações que puder, atirar no alvo e então se retirar. Em todo momento você não pode se dar ao menor erro, só assim podemos sobreviver a esse tipo de situação.

Estamos nos movendo com grande velocidade para minimizar os riscos, com um peso mínimo, sem colocar cordas fixas, sabemos as dificuldades e os riscos a que nos expomos, mas se estivéssemos em seus lugares, gostaríamos que fizessem o mesmo por nós.

Descemos para o C2 e encontramos o acampamento de Daniele e Tom, que fica a pouco mais de meio metro abaixo da neve completamente destruído. Encontramos uma mochila e carregamos todos os seus pertences para o C1. No nosso retorno para o C1, encontramos o restante da equipe que veio do campo base. Enquanto Ali, Imtiyaz e Dilawar desceram ao campo base, Ignacio, Felix, Josep e eu decidimos passar a noite no C1.

Terça-feira 5, depois de uma longa e tensa noite, o trio paquistanês volta do CB para o C1. Desta vez, Imtiyaz, Dilawar e eu começamos novamente no caminho para C3, o restante permanece no C1, monitorando com teleobjectivas, telescópio e binóculos.

Estávamos praticamente no C3. Voamos o drone e assistimos com binóculos por mais de uma hora. O Nanga Parbat não tem pontos intermediários, o calor do sol esquenta e o frio intenso da sombra fazem desta montanha uma bomba-relógio. Então, decidimos não voltar novamente devido o perigo de avalanches, e dado o que aconteceu ontem temos razão suficiente: o sol está muito quente e a estabilidade das massas de gelo gigantes que pairam acima de 7.000 metros é leve.

De qualquer forma, não sei onde encontramos sangue frio para voltar. Nós descemos para o C1, desmontamos tudo e decidimos descer em direção ao CB. Nossos amigos estavam lá, incluindo Attaullah (guia de Daniel e Tom), e Latif e Ikramat Jan (polícia e segurança da expedição).

No dia 6 de março saímos novamente eu, Ali, Imtiyaz e Dilawar em direção ao C2 da Kinshofer. Começamos às 6:00 da manhã e o C2 à 6200m parece ser difícil de alcançar, dado o acúmulo de neve. Estava muito frio, pelo menos 20ºC abaixo de zero e chegamos em 1 hora e meia no C1. Era uma neve muito pesada e a travessia poderia ir para o espaço e nós juntos.

Descemos então para o CB e esperamos as instruções dos familiares do Daniele.

No mesmo dia eles começam a desfazer o acampamento base e não tivemos muito o que fazer. Esperamos o helicóptero que parecia ter decolado 3 vezes e ainda não tinha chegado. Passamos a noite como pudemos, pois alguns de nós não trouxemos sacos de dormir para minimizar o peso dos helicópteros.

No dia 7 de março, novamente esperamos pelo helicóptero, o tempo estava perfeito mas nós fomos notificados pelo menos 2 ou 3 vezes e o helicóptero não chegou. Por volta das 3 horas da tarde, decidimos descer a Ser, pois passamos o dia todo com apenas um chá e dois biscoitos. Descemos com muito peso através da neve profunda. No final, chegamos a Ser e passamos a noite na escola Gunther Messner.

No dia 8 de março, graças à hospitalidade e generosidade de apenas 6 famílias que moram no vilarejo, nós nos alimentamos. Embora novamente ter construído o heliponto, o helicóptero não desceu, assim nós decidimos continuar a marcha até Diamoroi com todo o equipamento da equipe de transporte e um monte de peso, o que torna muito difícil para o nosso progresso. De qualquer forma, fomos a todo vapor. De Diamoroi a Bunardas em um jipe em uma noite cheia de estrelas.

No dia 9 de março, estávamos a caminho de Skardu. Demora cerca de 8 a 10 horas ou mais. Logo, depois de conversar com as famílias, uma declaração oficial foi emitida.

Isso é parte do que aconteceu nestes últimos dias longos e muito intensos e com uma carga emocional muito alta. Em breve, daremos mais informações. Se não divulgamos mais informações na semana passada, foi por causa do nosso compromisso e respeito pelas famílias de Daniele e Tom, a quem havíamos prometido que qualquer informação nesse período sempre viria de sua equipe de comunicação. Muito obrigado pela sua compreensão e pelo grande apoio recebido.

A montanha nos une.

 
Tom Ballard (na esquerda) e Daniele Nardi (na direita) durante a escalada invernal do Nanga Parbat
 

Namastê
Roberta Abdanur

 

comentários - comments