Extremos
 
COLUNISTA PABLO BUCCIARELLI
 
O Dilema da Bifurcação
 
Texto: Pablo Bucciarelli
5 de novembro de 2015 - 13:16
 
Pablo Bucciarelli. Foto: Carla Machado
 
  Pablo Bucciarelli  

Fui acometido por essa loucura de caminhar longas distâncias. Isso começou cedo. Não me lembro porque. Sempre buscava realizar grandes jornadas. Queria alcançar o final da praia, o alto da montanha, atravessar planícies, passar a noite na floresta explorando. Sinto um impulso, um chamado. Disso eu posso falar. Do sabor que essas experiências me trazem. Sabor de novidade. Estou sempre conectado com o astral, e dele sopram sinais, com os quais me integro ao estado de inspiração contínuo.

Meus olhos são como radares, buscando o sentido das manifestações naturais. Sou um andarilho, nômade e ermitão. Não me contento na fixação, na ostentação... Minhas vestes são a mata. Minha alegria reside na chuva caindo, no vento que bate na face. Procuro meus ancestrais no pensamento, sigo suas tradições. Me lanço no mundo, converso com os animais, com as árvores. Vejo xamãs passando nas trilhas, colhendo as folhas, a raiz, para o feitio do chá.

Em trecho de “A Alma Imoral”, do rabino Nilton Bonder, ele escreve o que poderia ser uma explicação para essa busca:

“Certa vez uma criança arrebatou o melhor de mim. Eu viajava e me encontrava diante de uma encruzilhada. Vi então um menino e lhe perguntei qual seria o caminho para a cidade. Ele respondeu: ‘Este é o caminho curto e longo e este o longo e curto’. Tomei o curto e longo e logo deparei com obstáculos intransponíveis de jardins e pomares. Ao retornar, reclamei: ‘Meu filho, você não me disse que era o caminho curto?’ O menino então respondeu: ‘Porém, lhe disse que era longo.’”

Em sua linha de pensamento, o rabino reflete quanto à sobrevivência. O instinto da vida está sempre na direção do simples, do fácil, o que seria uma lei evolucionista. No entanto, em suas palavras, ele complementa com a tese de que estamos atentos aos dois campos de evolução. “Certamente os corpos se movem na direção mais imediata e curta. Os galhos buscam a luz e o animal a água, mas sua inteligência interna, sua alma, está atenta a longas modificações. A tentativa de sobrevivência acontece nos campos de batalha do mundo curto e do mundo longo. As chances de extinção dos que percorrem caminhos curtos que são longos é muito grande. As espécies sobreviventes são aquelas que souberam fazer opções pelo longo caminho curto.”

As encruzilhadas são de grande importância, pois não são meras opções de acesso, mas de sobrevivência. A coragem está em ouvir o menino das encruzilhadas. A paz está primeiro com quem vem de longe.

Realizei recentemente uma grande caminhada, a Transmantiqueira em solitário, foram 397 km em 6 dias, 5 horas e 20 minutos. Fiz correndo grande parte do trajeto, buscando respostas íntimas. Dormi 18 horas ao todo. Me nutri, na verdade, daquilo que eu sou em essência, da natureza. E a todos que estão juntos nessa grande caminhada, vamos dar mais atenção ao nosso sagrado coração. Olhar mais para os sinais da alma e menos para a estética exterior do mundo material. E assim, vamos caminhando, sem destino, mas com um único propósito.

Nas palavras de um amigo, me inspiro para arrematar esse discurso. “Sou filho do burro bravo, como Sinueh, O Egípcio, rasgado pela entropia, mas com um escárnio no sorriso levado, pois entrópica é a bandida mente, que a nós não engana mais. Subo a montanha das inverdades pisando pra amassar e triturar um bom lixo que seja alimento de quem precisa, pois aqui nos alimentamos de luz, luz das estrelas, da lua e do Sol. Por isso, vamos nos encontrar ou reencontrar sempre, de preferência na madrugada amanhecendo filigranas de luz que nos reconhece como tal. E então, vamos nos descoagulando, transpondo universos, dimensões e nos amalgamando cada vez mais ao Misterioso Criador. Como lasca de qualquer droga, humano sou e preciso que gostem, embora o nosso Deus interior saiba que tudo isso são bobagens, pois o que interessa é cumprir as metas e falhar cada vez menos pra sermos merecedores.”

 

 
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