Extremos
 
COLUNISTA MANOEL MORGADO
 
Escalada de Alta Montanha como deve ser feita
 
texto: Manoel Morgado
16 de novembro de 2016 - 14:40
 
Manoel Morgado e equipe chegando ao cume do Lobuche East (6.119 m). Foto: Guilherme Slongo
 
  Manoel Morgado  

O título pode parecer pretensioso, mas reflete o que penso em relação a como, muitas vezes, a escalada de alta montanha é vista no Brasil. Vejo com muita frequência relatos de pessoas que com pouca experiência se aventuram a escalar montanhas que estão muito acima de suas capacidades técnicas e de sua vivência em montanha. Mais do que em qualquer outra, o Aconcágua recebe um grande número de pessoas que não deveriam estar lá. O fato de parecer ser apenas uma caminhada em altitude faz com que pessoas com experiência muito reduzida se aventurem, no sentido ruim desta palavra, colocando não só sua vida em perigo como também a daqueles que eventualmente terminam tendo que resgatá-las. Mas, não é apenas esta a consequência de se atirar em uma aventura sem preparo. Ao se exporem às forças da natureza que em montanhas acima de 6000 metros podem ser extremas sem o devido preparo acabam se traumatizando e terminando assim seu gosto por uma atividade que feita de maneira adequada poderia ser extremamente gratificante.

Então foi com extremo prazer que recentemente guiei um grupo de quatro pessoas ao cume do Lobuche East (6119 metros), uma lindíssima montanha a poucos quilômetros do Everest na região do Khumbu no Nepal. A ideia nasceu durante nossa expedição ao Kilimanjaro no ano passado. Fernanda May, Guilherme Slongo, Carla Allessi e Vander Muniz são amigos e juntos praticam escalada em rocha tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo. Devido a manterem atividade física regularmente atingiram o cume do Kilimanjaro com relativa facilidade e logo após a escalada começaram a pensar no próximo desafio. Vendo seu entusiasmo sugeri que escalássemos uma montanha de mais de 6000 metros no Himalaia no ano seguinte e eles abraçaram a ideia com entusiasmo. Mas, para fazermos este próximo desafio da maneira correta sugeri que eles fizessem um curso de escalada em neve e gelo na Bolívia para se munirem das técnicas adequadas para a escalada que tínhamos em mente. Em julho deste ano os quatro passaram 2 semanas na Cordillera Real na Bolívia treinando técnicas de cramponagem, travessias de glaciar e demais treinos de um curso básico de escalada terminando com a escalada do Huayna Potosi por sua via normal. Estavam prontos para seu próximo objetivo.

Aproximação da montanha. Foto: Guilherme Slongo. Foto: Guilherme Slongo   A rota de escalada do Lobuche East (6.119 m). Foto: Guilherme Slongo
Vista do Everest (a montaha mais alta da imagem). Foto: Guilherme Slongo   Vista do Taboche. Foto: Guilherme Slongo
 

Além de seu excelente preparo físico e das técnicas de escalada em rocha e em neve e gelo que agora possuíam precisavam de mais uma coisa para garantir o sucesso de sua escalada: um ótimo programa de aclimatação. Por 13 dias percorremos as trilhas do Khumbu (região do Everest) ganhando altitude progressivamente, chegando todos os dias a altitudes maiores do que as que iríamos dormir, nunca dormindo mais do que 400 metros mais alto do que a noite anterior. Chegamos ao Kala Patar a 5550 metros e lá assistimos um inesquecível por do sol com o Everest se tingindo de vermelho enquanto que todas as outras montanhas se escureciam. Estávamos prontos para o Lobuche East.

Descemos por uma noite a 4600 metros para recuperar nossas forças e no dia seguinte partimos para o campo alto a 5200 metros onde fomos recebidos por nosso climbing sherpa, Dorje Gyalzen, amigo de longo tempo que fez comigo o Cho Oyu, o Everest e minha tentativa de Ama Dablan dois anos atrás. Não podíamos estar em melhores mãos. Apesar de seus 31 anos, Dorje tem em seu currículo 12 cumes do Everest além de vários Cho Oyu, Manaslu, e inúmeros cumes de Ama Dablan. Ele nos recebeu com uma ótima estrutura de campo alto com comida farta e saborosa e ótimas barracas North Face VE 25. Fomos dormir cedo já que iniciaríamos nossa escalada as 2 da madrugada.

Apesar de minhas inúmeras escaladas nestes últimos 30 anos, como sempre acontece comigo na noite antes da escalada, não dormi bem com a ansiedade do que viria. Tomamos um bom café da manhã e as 2:30 sob uma linda noite estrelada começamos nossa longa escalaminhada rumo ao crampon point, local onde colocaríamos nossos crampons para começar a escalada na neve. Foram 450 metros de dura subida por rochas onde a prática de escalada em rocha do grupo facilitou bastante mesmo com a dificuldade de fazer tudo isso com as rígidas botas duplas. Ao nascer do sol já estávamos ganhando altitude por uma longa parede de 45 graus de neve que nos levaria a crista final do cume, a parte mais nervosa da escalada. Ao nosso redor algumas das mais altas e mais lindas montanhas do planeta, Everest, Lhotse, Nuptse, Cho Oyu, Makalu, Ama Dablan todas se tingindo de cor de rosa do nascer do sol em um dia perfeito, sem nuvens e sem vento.

No cume do Lobuche East (6.119m). Foto: Guilherme Slongo   Nossa equipe no cume do Lobuche East (6.119m). Foto: Guilherme Slongo
 

Ao chegarmos na crista final, o que o grupo aprendeu em seu treino na Bolívia se mostrou extremamente útil. A crista tinha não mais do que 20 cm de largura com quedas impressionantes de cada lado e a habilidade adquirida durante o curso fez com que pudessem lidar com o desafio de maneira segura e divertida. Após 6 horas e meia de dura escalada chegávamos ao sonhado cume com 360 graus de lindas vistas do Himalaia.

Este cume foi o resultado de um preparo físico rigoroso, de um planejamento meticuloso onde cada etapa foi cumprida com os membros da equipe adquirindo as habilidades necessárias e finalmente fazendo um processo de aclimatação cuidadoso. A consequência não podia ser outra. Uma expedição bem-sucedida, segura e divertida.

Nós da Morgado Expedições firmemente acreditamos que esta deve ser a forma de sonhar e realizar expedições à Alta Montanha!

Nasmatê
Manoel Morgado
www.morgadoexpedicoes.com.br

 
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