+  BLOG DO MANOEL MORGADO
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Retomando o foco
 
 
 

Durmo uma noite sem sonhos e acordo no que parece ser apenas alguns segundos após ter adormecido. O oxigênio abundante de 2800 metros faz com que o sono seja extremamente reparador. Olho no relógio e vejo que já são 7 da manhã, uma hora mais tarde do que meu horário normal de despertar. Desço correndo para o refeitório e encontro o grupo já tomando o café da manhã. Pergunto ao Nima se havia me despertado e ele me diz que havia me deixado dormir, pois precisava descansar. Ele tem razão, nos últimos 20 dias não parei um minuto. Cuidar de um grupo de 24 pessoas não foi uma tarefa fácil. Apesar disso me sinto realizado. As condições foram difíceis, muitos se enfermaram, mais do que o normal, mas mesmo assim todos conseguiram realizar seus sonhos e o clima no café da manhã não poderia ser melhor.

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Do grupo de desconhecidos que encontrei há apenas 20 dias hoje vejo um grupo de amigos. A despedida foi muito emocionante e o que houvi de todos mais do que compensou toda a energia que coloquei para que eles se sentissem confortáveis e conseguissem chegar ao campo base e ao Kal Patar com um maravilhoso por do sol. Não consigo deixar de chorar, ando muito emotivo com a chegada da grande escalada. Volto para dentro do lodge enquanto eles descem em direção a Lukla acompanhados de nossa equipe. A Andrea esta neste momento chegando ao cume do Island Peak com dois de nossos clientes e eu subirei para encontrá-la em dois dias. Quando saio do lodge e começo a subir rumo a Chokhung me sinto estranho. Não estou mais acostumado ao silência e a solidão. Por 3 semanas estive rodeado por um grande número de pessoas disputando minha atenção. Agora, por dois dias caminharei sozinho. Enquanto volto a trilhar as trilhas tão conhecidas penso que é tempo de voltar meu foco para dentro de mim. Nesses dias todos estive totalmente preocupado com os outros. Agora tenho que dedicar minha energia para o que tenho pela frente.. Percebo que não quase não tomei cuidado comigo.

Meus lábios estão rachados e me sinto cansado fisica e emocionalmente. Isso de longe é a situação ideal. Antes de enfrentar um desafio como escalar o Everest talvez o ideal seria ter feito o que fiz após o Cho Oyu, ficar em um retiro concentrando minhas energias. Meus planos de caminhar devagar e voltar a estar dentro de mim são destruidos com uma ligação do meu operador em Katmandu. Ele me diz que os dois clientes, Guto Ferrarini e Manuela Gonzales chegaram no cume do Island Peak com 6189 metros, mas que a Andrea estava doente e não havia conseguido. Quando pergunto o que ela tinha e qual a severidade ele não sabia me dizer. Mudo rapidamente de planos e decido caminhar até Chokhung naquele mesmo dia, um trajeto de mais de 30 quilômetros e com 2500 metros de subida. Chego em Chokhung as 8 da noite absolutamente exausto e encontro a Andrea e nossos dois clientes comemorando a chegada ao cume. Uma grande onda de alívio me cobre. Ela teve uma tosse muito forte e um pouco de febre e deciciu sabiamente abortar a escalada. Uma infecção pulmonar pode rapidamente levar a um edema pulmonar que acabaria com sua escalada ao Everest. Por meu lado, não poderia ter ficado mais abaixo em outro vilarejo sabendo que a Andrea estava doente e sem saber qual a gravidade. Apesar de exausto estou feliz de ter feito a loucura de ter camionhado 3 dias normais de trekking em 10 horas. Pela manhã reencontramos o Victor, o Greg, o Rob e o Marco, nossos companheiros de escalda do Cho Oyu.

Imediatamente sinto que a dificíl decisão de não escalar o Everest com a Andrea que está na expedição do argentino Willie Benegas e me juntar aos meus amigos do Cho Oyu é completamente correta. Não me dei bem com o Willie e fazer um projeto tão duro como o Everest com pessoas em quem não confio e respeito teria sido um erro monumental. Apesar disso, a cada minuto eu e a Andrea pensamos na pena que é após dois anos de treino juntos fazer a culminação de nossos sonhos separados. Passo o dia descansando, tirando pequenas sonecas durante o dia, um luxo que não tenho há muito tempo. Aos poucos sinto minha energia voltar e ao final do dia já me sinto novamente pronto para o proximo desafio. Amanhã a Andrea começa sua caminhada ao campo base do Everest e eu vou para o Island Peak com minha expedição. Ontem, quando me despedi de meu grupo e de minha equipe recebi inúmeras katas, encharpes de seda como desejo de que tudo vá bem. Sinto um grande calor no coração ao ver que o que me une a esses nepaleses que trabalham comigo a tantos anos vai muito mais além do que uma relação de trabalho. Existe uma sincera amizade. Ao passar por uma das pontes suspensas deixo as katas amarradas flutuando ao vento e desejo que cada ser possa ter a mesma felicidade que sinto. A cada dia que passa mais e mais sinto que meu lado espiritual se torna mais intenso e esta escalada assume uma dimensão muito maior do que esperava. Estou a caminho.

 
 
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Guia e Alpinista
 
 
Dividir minhas experiências com as pessoas!

- Este é o objetivo destes artigos e foi uma das motivações que me levou, 13 anos atrás, a começar a guiar pessoas em lugares que amo, para entrar em contato com culturas que admiro e realizar atividades que fazem com que enfrentemos desafios e ampliemos nossos limites. Sempre procurei direcionar minha carreira profissional para que estivesse em harmonia com o estilo de vida que almejo.

Para mim trabalho e prazer se combinam de forma quase indestingüível. Isso me permite viajar doze meses por ano, seis meses guiando grupos pelo mundo, principalmente na Ásia e o restante do ano viajando pelos lugares dos meus sonhos. Então, se assim como eu você é um viajante habitual ou apaixonado por relatos de viagens, poderá encontrar aqui informações, impressões, dicas, bibliografia e videografia, sobre os lugares por onde viajo.

Venha comigo explorar alguns dos mais fantásticos destinos deste planeta!
 
 
 

2009
Cho Oyu (China) com 8.201 metros