Extremos
 
COLUNISTA LISETE FLORENZANO
 
Aventurar-se
 
texto: Lisete Florenzano
11 de junho de 2016 - 15:30
 
Lisete Florenzano durante trabalho de Treehouse no Brasil.
 

“Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar-se é perder a si mesmo. E aventurar-se, no sentido mais elevado, é precisamente tomar consciência de si próprio.”

Soren Kierkegaard

  Lisete Florenzano  

Aventurar-se não significa apenas sair em uma expedição, para fazer um trekking em um lugar remoto ou escalar uma montanha. Creio que nos aventuramos, e muito, quando decidimos mudar de cidade, de emprego, de vida. Da mesma forma que nas expedições, nos jogamos ao novo sem saber exatamente qual vai ser o resultado. Só temos a certeza de que, internamente, algo vai mudar.

Sempre busquei em minha vida fazer coisas que gosto, que fazem sentido para mim. Assim, apesar de ser formada em engenharia mecânica, percebi que fazia mais sentido largar meu emprego nessa área e trabalhar como guia em atividades de montanha. Isso aconteceu em 2010, quando comecei a trabalhar para a Morgado Expedições. Depois descobri a Educação Experiencial, onde o aprendizado se dá através de experiências quando saímos de nossa zona de conforto. Fiz o FEAL (Fundamentos em Educação ao Ar Livre), da Outward Bound Brasil (OBB) e comecei a trabalhar para a empresa Treehouse, levando adolescentes em expedições aqui pelo Brasil. Fiquei encantada com a Educação Experiencial, me interessei em aprender mais. Mas isso não é tarefa fácil, pelo menos para nós do país tropical.

No ano passado veio a idéia de fazer um curso de guia de trekking e de montanha na Argentina, em Mendoza, já que não existe esse tipo de curso formal aqui no Brasil. Meu companheiro Vinícius e eu imaginamos que, ao fazer esse curso, poderíamos montar no Brasil uma escola de guias de nível técnico com base em nossa experiência em Mendoza. Isso poderia também incluir a Educação Experiencial, dessa forma unindo duas paixões.

     
     

Assim, em novembro, fomos para Mendoza para resolver burocracias e tentar nos instalar por lá. A idéia era morar na redondeza, conseguir um trabalho e escalar sempre que possível. Não conseguimos nenhum trabalho logo de cara, mas estávamos tão ocupados atrás de documentos, etc, que acabamos não nos importando tanto. Em dezembro voltamos ao Brasil, “desalugamos” a casa onde morávamos, trocamos o carro por um maior e levamos tudo o que achamos que poderíamos precisar. Enchemos uma Kangoo até a tampa e fomos, cheios de expectativas.

Mas as coisas começaram a se mostrar mais difíceis do que imaginamos. Não conseguimos trabalho, o que nos impedia de alugar uma casa. Para não gastar absurdos em hostel, acabamos ficando em casas de amigos, muito queridos, que abriram mão de sua privacidade para nos dar um cantinho. Percebemos que a Argentina está numa situação econômica muito ruim, sentimos que está pior que o Brasil (acreditem!). Tudo extremamente caro, dificuldade em conseguir trabalho em qualquer área. Dessa forma nossas economias foram indo embora, e rápido. Essa parte exigiu, para mim, muita flexibilidade. Tive que sair da minha zona de conforto, ao viver em casas que tinham um esquema em que eu não me adaptava muito, muitas vezes sem privacidade, com uma galera na vibe de festas até altas horas.

Entendi que alguns assuntos são relativos, como limpeza e bagunça... o que para alguns é um “quilombo”, para outro é um ambiente super limpo e organizado. E eu sou super organizada, sempre sei onde estão minhas coisas. Mas neste nosso esquema, todas as coisas que levamos na Kangoo estão ainda em duffles (bolsas grandes) ou caixas de papelão, empilhados em uma garagem. Não faço a menor idéia de onde está a maior parte dos itens... por exemplo, onde está aquela blusa de lã que gosto? Ou aquela camisa X, que queria usar em uma entrevista de trabalho? Ihhh, não faço idéia.

Para entrar na escola de guias, existe um exame de admissão que consiste de uma prova escrita, uma prova física de dois dias e exame de CV de montanha. A prova física foi muito difícil, principalmente para as mulheres, já que não tinha nenhum tipo de “facilitação” por sermos do sexo frágil. Era de igual para igual, e os candidatos eram em sua maioria homens jovens, fortes. Éramos 80 candidatos para 40 vagas. Fizemos o melhor, e apesar de não conseguir fazer 30 barras (rsrsrs), conseguimos passar. Ufa! Matriculamos no modo “à distância”, que significa fazer as matérias através de uma plataforma virtual e a parte prática, as “salidas en la montaña”, acontecem uma vez por mês, 6 vezes no ano.

Em abril conseguimos trabalhar em um sítio, colhendo nozes. Muito divertido, já que a galera toda era da escalada. Começamos também a pensar em pegar alguns trabalhos com a Treehouse novamente, desde que não batesse com as datas das saídas da escola. Apesar de gastar com a passagem aérea, valia a pena por estarmos trabalhando com o que gostamos e ainda ficar um pouco no Brasil. E foi o que fizemos. Em maio e junho ficamos nesse vai-e-vem maluco, indo da “salida” da escola (que é bastante puxado, fisicamente) para o Brasil, entrando nas expedições, fazendo os trabalhos das disciplinas, voltando para Mendoza.

 
Lizete Florenzano durante trekking no Parque Nacional do Itatiaia, com o Agulhas Negras ao fundo.
 

As coisas não aconteceram como planejamos. Percebemos que não dá para morar na Argentina sem trabalho e a solução é voltar a morar no Brasil. Aqui temos nosso trabalho, podemos ir atrás novamente de um canto para morar e estabilizar.

Apesar de aparentemente voltarmos no mesmo ponto onde paramos, não é isso que ocorre. Mudamos muito internamente, ao aventurar-nos em outro país, em outra atividade. Aprendi a valorizar muito mais as coisinhas do Brasil: a água, comidas, frutas, organização, a proximidade dos amigos e familiares, ter uma casa para morar. Aprendi a me flexibilizar ao viver numa realidade que não é minha, a aceitar e acolher as diferenças, a me cobrar menos, entender que nem tudo é como queremos – o Universo sempre dá as cartas. Sim, temos sempre que fazer a nossa parte, que é sonhar e colocar energia para que esse sonho se concretize. Ao mesmo tempo, temos que aceitar quando o caminho não se abre. Dar um passo atrás pode ser o impulso que necessitamos para dar muitos outros à frente. Acredito que o melhor sempre acontece. Que assim seja!

Grande abraço e bons ventos!
Lisete Florenzano

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