KARMA – o princípio de ação e reação
da redação, Texto: Lisete Florenzano
16 de outubro de 2012 - 13:08
 
comentários    
 
Manoel Morgado e Lisete Florenzano na Patagônia
 

Incrível como as coisas, fatos, se encaixam perfeitamente... Uma vez assisti na internet uma palestra do Steve Jobs (presidente da Apple, já falecido) que muitas vezes quando estamos “no meio do furacão”, não conseguimos entender os fatos claramente. Mas depois que passa, olhamos para trás e conseguimos “connect the dots” ou conectar os pontos. E ai, tudo faz sentido...

Desde o ano passado eu e o Manoel planejamos a escalada do Manaslu, a oitava maior montanha do mundo, no Nepal. Seria minha primeira montanha do seleto grupo de montanhas com mais de 8.000m. Acho que todos que curtem escalar montanhas tem esse sonho, de fazer pelo menos uma delas. A escolha foi baseada no fato de que ela era um “8.000m fácil”, ou seja, não técnico. Eu já havia comprado vários dos equipamentos necessários para a escalada e o plano era ir treinando ao longo do ano, fazendo os trekkings e escaladas com os grupos de clientes com mochilas cada vez mais pesadas. Tudo perfeito.

Mas, em janeiro senti dores forte no joelho direito e tive a notícia de que estava com uma pequena fratura por stress. Tive que abandonar o trek ao campo base do Everest para fazer repouso e me recuperar. Depois, no trek no Marrocos, o joelho direito perfeito... mas apareceu uma dor no joelho esquerdo, que nunca havia me dado problemas. Muito inchaço e dor, fui no médico que diagnosticou condromalácea (um desgaste da cartilagem atrás da rótula), exatamente o mesmo problema do joelho direito e que não tem muito o que ser feito. Assim, o plano de treinamento teve que ser abortado e durante a escalada ao Mont Blanc, percebi que seria um erro ir ao Manaslu. O Manoel veio conversar comigo, cheio de dedos, para dizer o mesmo que eu já sabia... não poderia ir ao Manaslu. Eu não havia treinado o suficiente, não tinha mais tempo para treinar e estava com dificuldade para descer rápido, já que sinto mais dor nas descidas. Fiquei muito triste na época, não só pelo fato da escalada mas também por ter essa limitação física.

De qualquer jeito, resolvi fazer as outras viagens, a princípio com pouco peso e depois aumentando gradativamente. Quando chegou a escalada do Elbrus, percebi que estava super bem e forte. No Kilimanjaro, idem. Cheguei a comentar com o Manoel que havia me arrependido de desistir do Manaslu. Ele disse: então por que você não vem? Eu pensei bem e, como não gosto de fazer nada na correria, achei que não era hora. Já tínhamos dispensado o climbing sherpa que iria comigo, toda a logística já estava pronta e eu entrar assim de última hora ia ser uma loucura. Assim, voltei ao Brasil para 3 meses de “férias”, onde a idéia era fazer um fortalecimento específico para estar pronta para o Aconcágua em dezembro.

Os acontecimentos mostraram que realmente eu não deveria ter ido. Acho que estar na montanha depois do acidente da avalanche teria sido muito pesado para mim.

Por outro lado, estar no Brasil acompanhando a escalada do Manoel e equipe foi um aprendizado. Assim que houve o acidente, o Manoel me ligou para me tranquilizar. Assim, eu já sabia que eles estavam bem logo no início. Claro, fiquei preocupada com a descida pois sabia que era um trecho técnico e não sabia quais eram as condições da montanha.

Creio que o mais difícil foi quando ele me disse que o Milton havia desistido, mas que ele estava decidido a subir. Não consegui disfarçar a voz, ele soube que eu estava apreensiva com essa decisão. Não disse “não vá” nenhuma vez. Acreditei no que ele me dizia, que estava bem e que achava que tinha condições de cume e que as condições da montanha estavam boas, apesar da tragédia. Tive que respeitar sua vontade e simplesmente soltar... qualquer que fosse o resultado dessa decisão dele, seria o melhor.

Recebi a mensagem “estamos saindo do campo 4 para o ataque ao cume” com um nó na garganta... pensei o que ia responder... e, por alguma razão, me senti feliz. Feliz pelo Manoel estar tentando algo que realmente queria fazer, que eu sabia que era importante para ele. E fiz a única coisa que podia fazer: dei a minha maior força, nas palavras que escrevi e nos pensamentos que mandei. Tive certeza de que tudo daria certo.

Pouco tempo mais tarde recebi outra mensagem dizendo que estava cansado demais e que iria desistir. Enviei os meus parabéns e meu coração se tranquilizou realmente apenas quando ele chegou no campo base.

Hoje, conectando os pontos, vejo que ainda não era hora da minha montanha de 8.000m. Talvez seja no ano que vem, talvez não. Cada vez mais acredito que cada um tem sua hora e não adianta prendermos quem amamos por medo de que algo possa acontecer. Passarinho dentro de gaiola tem um canto triste...