Extremos
 
COLUNISTA JOÃO CASTRO
 
Travessia Salvador a Morro de São Paulo
 
texto: João Castro
19 de fevereiro de 2018 - 11:30
 

João Castro. Foto: Fábio Mota
 
  João Castro  

Uma travessia anunciada 3 meses antes de eu realizá-la. Seria uma competição organizada pelo Yacht Clube da Bahia, mas além do gentil convite para que eu participasse, havia também dois pensamentos importantes. O primeiro era que ali estava uma grande oportunidade de remar um trecho onde eu poderia não ter outra oportunidade e outro era saber o quanto fora de forma eu estaria após a cirurgia.

Mesmo fora de forma decidi fazer a prova, mas certo de que eu não estaria ali para competir. Eu tinha claro na minha cabeça o seguinte pensamento: se eu nunca deixei de terminar algo que me propus fazer na canoagem, se jamais abandonei um projeto, era certo que eu completaria este percurso. Se eu gosto de remar, se eu não ligo em remar por horas, dias e isso sempre me deu prazer, qual seria o problema de eu aceitar este desafio? Nenhum! Pois bem, aquilo que parecia ser mais uma história para contar, se tornou a primeira vez na minha vida em que tive que parar, que não completei algo que estava fazendo com um remo na mão.

Já deixei de chegar ao topo de montanhas. Já deixei de terminar provas de aventura. Já deixei de entrar em mares gigantes para surfar. Já deixei de fazer tantas outras coisas dentro dos esportes que pratiquei ou pratico, mas nunca na canoagem, nunca naquilo que amo fazer, nunca com um equipamento, seja ele qual for, caiaque, surfski, canoa havaiana, que quando sento é como se meu corpo se fundisse com a embarcação, é como se eu e ela fossemos uma coisa só.

Pois é... Eu falhei.

Sem trauma! Decepciona, mas apenas traz pensamentos, reflexões, exigência por maior responsabilidade, comprometimento com os projetos e a vontade mais forte de seguir em frente.

A organização desta prova foi impecável nos mimos, na segurança, nas orientações, nos ambientes, ou seja, irreparável e tudo que alcança este nível, alcança por ser realizado com muito amor. Em especial aqui devo citar alguns nomes, pessoas adoráveis e apaixonadas em fazer os outros se sentirem bem. Falo da família Saback. Antônio e Jackie (pai e mãe), a filha Nicole e seu marido Sergio Diniz e o filho Richard Saback. Devo aqui também fazer a minha reverência para toda a equipe de staffs, e seu maestro “Pato”. Deram aula!


Travessia Salvador a Morro de São Paulo
 

A maré vazante e com amplitude bastante considerável que ajudou muito nos primeiros quilômetros. Início da maré vazante foi as 6h50 e a largada por volta das 7h15. Na minha má forma, ver o GPS marcar 11, 12, 13 por hora, era uma alegria, mas que durou pouco. Sabidamente, quando saí da Baia de Todos os Santos o previsto aconteceu, que foi a diminuição da influência da maré e o domínio da influência das correntes marítimas e ventos, neste momento a minha velocidade passou para 10 e 11 por hora. Me parecia bom pois consegui segurar esta velocidade o tempo todo e isso me colocaria em Morro de São Paulo com pouco mais de 6 horas de prova.

A velocidade parecia boa, mas a direção não me deixava confortável. Eu seguia alguns outros atletas, mas o que afirmaria que eles também não estavam sem gps, waypoint, bussola, como eu? Pois bem, eu acho que errei a minha linha pois uma lancha da organização chegou até mim e disse que eu devia me aproximar mais da costa e foi o que eu fiz. Nos primeiros quilômetros você ainda vê a margem direita, bem longe, mas isso já serve um pouco.

Segui olhando o que tinha. Competidores, barco da marinha, rebocador, direção da ondulação, buscando manter o ângulo que eu acreditava ser o ideal.

Como disse, a minha média horária ia muito bem, acima daquilo que eu acreditava que faria, 8 km/h. Eu me sentia bem, mas já no km 10 o meu ombro recém operado começou a fisgar, bem em cima da cicatriz. Começou com fisgadas aleatórias nos movimentos de retomada até o ataque. Para quem não sabe, basicamente existem 4 movimentos: ataque, quando você entra com a pá do remo na água, desenvolvimento, quando você puxa a água, Saque, quando retira a pá da água, mais ou menos ao lado do corpo e Retomada, quando você leva o remo novamente à frente para reiniciar o movimento.

A fisgada que era sentida de vez em quando, passou a ser sentida em cada movimento, logo após eu parar no primeiro checkpoint, com 20 Km de travessia, para tomar água e confirmar meu número. O que estava ruim, piorou. De fisgada passou a ser dor.

Lembrei-me da fisioterapia em um dos melhores lugares em São Paulo, o Espaço Mahnah, onde aprendi a usar a escapula e foi o que fiz, mas acredito que de maneira exagerada ou desalinhada, pois aí, quase que imediatamente, as costas começaram a doer, apenas do lado, daquele que eu tentava adequar.

Travessia Salvador a Morro de São Paulo João Castro
 

Parei, respirei. Dei mais um gole de água e disse para mim: “João, vai fisgar até o fim, mas você aguenta”.

Certamente eu aguentaria pois não era uma dor daquelas, apenas fisgadas doloridas, mas o problema começou quando vi a minha velocidade caindo para 7 Km por hora, as vezes 6 e pouco. Fiz a conta que normalmente fazemos:

Distância x dor x velocidade x corte da prova = a consequência que eu não sabia qual seria se insistisse naquilo e marquei a opção “parar”.

Dizem que quando o corpo dói, é por que ele está te sinalizando que algo está errado e que você deve parar, pois do contrário haverá consequências. Simples assim, foi esta a minha decisão. Mantive meu remo em pé e em menos de três minutos havia um barco da organização ao meu lado.

Bom, quem já teve que parar algo, que desistiu de algum desafio, entende muito como nos sentimos nesta hora. É péssimo! No meu caso, péssimo para mim, já que não me importo com os outros.

Fui levado para Morro de São Paulo onde desembarquei, encontrei a minha namorada, amigos e imediatamente esfriei a cabeça e aliviei o coração.

Farei esta travessia em 2019 e certamente trarei uma nova história e boas recordações.


João Castro
 

Acredito que para quem deseja realizá-la, não á nada do outro mundo, mas precisa estar sim preparado. Acho que dá para fazer sem necessidade de barco de apoio, mas leve telefone e um SPOT, pois tudo pode acontecer quando estamos nós e a natureza. As ondas ajudam bem e fico imaginando um dia com elas bem alinhadas. Seria um sonho de remada, mas ao mesmo tempo se o leste entrar ou a ondulação ficar de “través”, aí se prepare para o sofrimento, se prepare para ser duro e para até ter que parar. Acho que no verão, em janeiro ou fevereiro são dois bons meses.

Se você rema Surfski ou Canoa Havaiana, faça a prova o ano que vem, realize o desejo de completar esta travessia com toda a segurança, mas aí você tem 10 horas para evitar o corte.

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Nos encontraremos lá!
Bora para a próxima.

João Castro
Projeto N2: www.joaocastro.com.br
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