Extremos
 
COLUNISTA JOÃO CASTRO
 
Cada um medita a partir do seu próprio estímulo
 
texto: João Castro
1 de novembro de 2016 - 12:00
 

Foto: Ale Socci
 
  João Castro  

Acho que as pessoas que remam longas distâncias, que fazem travessias marítimas, vão entender o que eu vou escrever.

Já começa com o ambiente que é o mar. Lá no meio, distante de qualquer pedaço de chão, o que vemos à frente é apenas água, o que sentimos é o balaço e o que fazemos é remar. O movimento de remar é repetitivo. Centenas de ciclos por dia o que é quase um mantra: Ataque, desenvolvimento, saque e retomada. Ataque, desenvolvimento, saque e retomada. Ataque, desenvolvimento, saque e retomada...

A nossa mente fica tão vazia ou tranquila, que me pergunto muitas vezes durante o percurso: “no que eu estava pensando mesmo? ”. Quase sempre fico varrendo a mente para tentar lembrar qual assunto estava lá, mas sempre chego a mesma resposta: Não estava pensando em nada.

Quem rema solitariamente por vários dias, algo que sempre gostei de fazer, volta diferente para casa. Conseguimos ficar horas, as vezes dias, sem pronunciar uma só palavra! Muitos sabem o que é isso. É algo incrivelmente confortável e diferente pelo menos para mim.

Em longas travessias, durante o balanço tranquilo do mar, repetindo o movimento de remar, em silêncio e sem ninguém por perto, talvez seja a maneira mais fácil de conseguir meditar. Existem maneiras diferentes, mas graças a Deus o meu destino me levou para este encontro com o mar e com a paz de espírito.

No mar, durante uma longa travessia, a meditação pode ser interrompida? Sim! Existem alguns sabotadores chamados: Baleias, Golfinhos, Peixes saltitantes, Tartarugas, Pássaros, entre outros membros desta verdadeira “gangue anti mente vazia”, mas devo confessar que é muito bom ser sabotado por eles. Talvez esta seja a única companhia bem vinda durante uma travessia, pois mesmo sendo eles “sabotadores”, eles não falam, quebram a meditação mas não o silêncio. A meditação interrompida é substituída pelo encanto e por novos pensamentos, questionamentos, que quase sempre que nos melhoram como seres humanos.

Sim... Depois de uma travessia não voltamos a mesma pessoa.

Existem outras coisas que também nos encantam e que nos fazem bem, como as pessoas simples que encontramos em alguns lugares onde paramos. Ribeirinhos, caiçaras, famílias simples, mas sempre com um incomparável amor, pronto para ser dividido com você, que de maneira muito rápida, quase imediata, deixa de se sentir um estranho.

Crianças descalças, sujinhas, inicialmente acanhadas, mas que basta dar uma brecha para se tornarem irreparavelmente sorridentes, travessas e íntimas! Neste momento você também vira criança.

Basta um final de tarde e uma só noite com estas pessoas. Bastam as poucas horas ao lado delas, para que no dia seguinte, na hora da despedida, quando você começa a remar e se distanciar da costa, sinta a vontade incontrolável de torcer o pescoço para trás e lá estão elas, lado a lado, na beira d’agua, sorridentes e levantando os braços para acenar. Não tem como não sentir um pequeno aperto, algo diferente, mas bom! Estas pessoas que encontramos durante travessias, remadas por este Brasil, se tornam em tão pouco tempo muito queridas, admiráveis e para sempre.

Sim. “Navegar e preciso” e certamente uma maneira de melhorarmos muito como pessoa pelas possibilidades que isso nos oferece. Seja caiaque, surfski, stand up paddle ou qualquer outra coisa que flutue, que nos leve para onde desejamos e nos faça viver.

Nos próximos meses eu vou aproveitar muito. Tenho muito treino pela frente, muitas milhas náuticas a percorrer. Em alguns treinos o foco será performance, velocidade, força, menos tempo possível, mas em muitas outras eu estou certo que conseguirei meditar, conhecer pessoas, sorrir, aprender e viver.

Travessia é isso. Remar é isso. O mar é isso e meditar é assim.

 
 
 
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