Extremos
 
COLUNISTA BELLE DUARTE
 
Cabeza del Condor, Bolívia
 
da redação, Texto: Belle Duarte
13 de agosto de 2012 - 18:00
 
Cume da Cabeza del Condor
 
  Belle Duarte  

Por dois anos venho treinando Alta Montanha na Bolívia em prol do sonho de escalar o Alpamayo (5.947m), Peru.

Ano passado tive resultados meio frustrantes, chegando apenas aos 5.850msnm do Huayna Potosi (6.088m), Minha primeira alta montanha, onde tive que aborta-la pois sofri mal de altitude. Em seguida, não desisti, consegui conquistar Pequeño Alpamayo (5.420m) no Condoriri. 

Este ano voltei à Bolívia no mês de julho com dois objetivos: Precisava saber se de fato conseguiria chegar aos 6 mil de altitude (Huayna Potossi 6.088m) e precisava aprender mais técnicas de gelo, fazer um curso e aplicar isso em uma montanha mais técnica (Cabeza Del Condor 5.648m), e com esses dois passos, Aclimatação e técnica, muito provavelmente me abriria passagem para tentar este sonho.

Fomos eu, meu amigo Alex Feijó que teria seu primeiro contato com Alta Montanha e meu grande amigo e guia Àlex para o Condoriri fazer o curso de gelo. Tradicionalmente paramos em Tuni, seguimos andando cerca de 2h para chegar até o acampamento do Chiarkota. Este ano estava muito cheio por sinal, e acabamos ficando em “desvantagem” acampando do outro lado do lago, próximo à uma casinha.

No segundo dia, fomos aprender mais técnicas de escalada em gelo, quedas, rapéis e ascensões em gretas. Estávamos no glaciar sentido Tarija mais ou menos entre o Agujas Negras e o Ilusion numa faixa dos 4.950m de altitude. Em um certo período o sol já tinha ido embora, o tempo mudou, começou a ventar muito. Fizemos tudo o que tínhamos que fazer e ao descermos, tanto a minha cabeça quanto a do Alex estava explodindo de dor devido talvez, à queda de temperatura e altitude.

Voltamos para o acampamento e naquela noite tive medo de não conseguir fazer nada, Afinal, ano passado nesta faixa de altitude eu não tinha passado mal. Se eu estava passando mal aos 5 mil, imagine aos 5.700 ou 6 mil! Eu estava com tanta dor, que saí da barraca e fui dormir no chão da casa onde era mais caro, mas em contrapartida era mais quente e não havia o barulho do vento na barraca que ecoava na minha cabeça.

No dia seguinte acordei bem, o guia achou melhor eu me recuperar 100% para fazermos a tentativa ao cume. Todas as pessoas que eu me encontrava, ao me perguntarem e saberem para onde eu iria, me pilhavam negativamente! Se não falavam que a canaleta estava com neve até o peito, falavam que era uma Montanha muito difícil e quase que implicitamente pareciam não acreditar que conseguiria. Eu apenas ficava quieta, confesso que tremia por dentro, e comecei a ficar com medo de não conseguir realmente fazer esta montanha já que no dia anterior eu tive dor de cabeça aos 5 mil, mas eu só iria saber tentando.

O Alex Feijó não iria atacar o cume por que ainda não se sentira bem, disse que não gostaria de atrapalhar nossa ascensão, que sabia o quanto seria importante pra mim, e que não gostou de ter dor de cabeça, viu que o negócio dele não é neve, e sim rocha! Ele quem me ensinou tudo o que sei sobre escalada em Rocha!! Perguntei se ele não gostaria mesmo de subir conosco, mas ele achou melhor ficar.

     
     

Fui dormir apreensiva e sem saber o que esperar de mim, era algo que não dependia apenas da minha boa vontade, mas dos limites do meu corpo. Tudo era imprevisível. Acordamos, eu estava com um certo nó na garganta, costumamos chama-lo de “ansiedade”. Dor de cabeça zero, meu corpo estava bem, senti uma leve pressão na cabeça próximo a nuca, mas preferi fingir que não percebi, preferi não dizer nada a ninguém, Me preparei, peguei meus bastões de trekking, piolets e todos os outros equipamentos, dei um forte abraço no Alex, que me desejou boa sorte e 1h am seguimos caminhando sentido a Cabeza. Atravessamos o Chiarkota (por meia hora) pela borda, passamos pelo acampamento base do condoriri e saímos pela esquerda onde iniciariam 3 horas e meia de caminhada e subida constante até chegar a BASE do glaciar.

Não ventava, fazia frio, mas o tempo estava bom. Fomos quase que pela ala ezquierda e o meio.. numa morena onde só havia areia e rochas muito tendenciosas para resvalar, fomos subindo constantemente em zig e zag ao lado ficava aquele glaciar que de longe parece ter 90 graus. O Guia Àlex elogiou meu ritmo. Paramos para descansar e vimos uma estela cadente. Colocamos o grampom para atravessar à direita o glaciar e seguirmos subindo a morena de novo.

Não sei se todos tem a impressão que eu tive de que o acesso à cabeza esta fácil, mais na verdade, você tem que subir uma parte íngreme e grande pelo meio, descer e aí sim você encontra o inicio do glaciar da Cabeza (4 horas depois). Chegamos nesta parte mais ou menos as 5 horas, o céu já estava dando indícios de clarear, e depois de algum tempo andando.. o sol nasceu.

Caminhar na neve exige psicológico principalmente para nós que fazemos travessias no Brasil, onde você caminha sem enxergar o cume, e muitas vezes numa mata fechada sem se preocupar. Por ser tudo branco.. você meio que perde a referência de distância, você acha que está chegando perto, mas logo percebe que quanto mais caminha mais longe fica!

Na verdade, é preciso se concentrar no passo de agora, sem pensar muito onde se quer chegar, isso deixa pra depois. Passamos cerca de 3 horas no glaciar, sempre subindo. Eu estava bem, apesar de caminhar como uma velhinha por conta da altitude estava me sentindo bem, aquela pressão na cabeça tinha aumentado um pouco, mais nada que me incomodasse extremamente. Já se faziam 7 horas de caminhada.

Chegamos na canaleta, ela era muito bonita, diga-se de passagem, muito alta também, meu guia calcula pela corda dele.. de 130 à 150 metros mais ou menos. Era uma parede estreita como um corredor nevado de 85 graus de inclinação e uns 3 metros de largura cercado por rochas tanto na direita quanto na esquerda.

Eu estava tão concentrada no que tinha que fazer que não me dei o luxo de tirar fotos desta canaleta e infelizmente não tenho o registro. Fui devagar e sempre, achei que nunca ia terminar! Rs ficamos cerca de duas horas para escalar ela inteira, a última parte o meu guia me deu segurança total, me ancorou de cima para escalar este último trecho da canaleta, era gelo mesmo, aquele gelo duro que me fazia precisar ser uns 50 quilos mais gorda pra fincar legal o piolett! Conseguimos atravessar esta parte! Que alivio!

Alivio? Ainda tinha mais umas cristas a serem atravessadas para se chegar no cume. Sabe aquela parte que digo que parece que está perto, mas na verdade está longe?! Mais uma vez pude provar desta teoria! No total, olhando pelas fotos, se não estiver enganada, é cerca de umas 5 sequências de cristas (quase um Pequeño Alpamayo! Rs ), onde se caminha na pontinha da montanha, particularmente eu acho uma delicia caminhar na aresta!!! Fui “despassio y siempre”. Nesta hora, depois de tudo isso, com mais de 9 horas de atividade, andando desde 1 da manhã, eu estava muito cansada. Minha cabeça doía, minhas pernas também, e eu senti meu corpo exausto. Faltava muito pouco. Lembro-me claramente de quando estava escalando a crista, num dos picos de exaustão, onde pensava em nunca mais mexer com esse trem de alta montanha, eu conseguia olhar para o Huayna Potossi, o tamanho dele, e eu repetia pra mim mesma “Não vou faze-lo, não vou conseguir escalar o Huayna Potossi! É muito grande! Eu não vou mais escalar!! Não vou mais mexer com esse trem de gelo!”

À cinco minutos do cume, meu guia me informa que estamos atrasados, (era exatamente 5 para as 11 horas da manhã) e perguntou se eu gostaria de voltar ou de fazer cume.
Para tudo. Agora me imagine com cara de: “???... Você tá fazendo mesmo essa pergunta pra mim!?” rs

Claro que minha resposta era que eu iria até o cume. Quando cheguei no cume não tive aquela sensação de euforia, de ser dona de mim, ou dona do mundo, ou qualquer reação do gênero! Claro que eu estava orgulhosa, mas eu estava sentindo na pele, ou melhor, no corpo o quanto eu paguei para estar ali. Eu apenas estava ali, viva e vendo o mundo da cabeza del condor e acredite, aquilo era bom. Até no vídeo que eu gravei do cume, eu estou bem emotiva, eu realmente exausta, mas ainda tivemos ânimo para tomarmos juntos uma merecida paceña aos 5.648 metros, que o Àlex sacou da mochila!

Ainda com dor de cabeça, minhas pernas às vezes não obedeciam à risca a regra de pisarmos nas marcas de grampom, onde deveríamos pisar pelo mesmo caminho da subida, sendo assim, desviei coisa de um passo à esquerda, pisando em neve fofa, e em questão de segundos eu estava com a perna esquerda inteira afundada na neve. Eu tentei me mover para sair de lá, mas acabei me afundando mais! Eu estava tão cansada, que não tinha me dado conta da gravidade da situação, não entendi por que o Àlex com um tom de preocupação gritou para eu parar de me mover. Parei. Presa pela corda, ele saiu de trás de mim, e passou para frente, me puxando com impulso: Saí, e sai andando, ele me pediu para que eu olhasse para trás, quando vi onde minhas pernas estavam era um buraco escuro, sim, aquilo era uma greta e eu poderia ter caído lá.

Demoramos 5 horas para descer, quando eu vi o Alex Feijó, que foi me encontrar do outro lado do Chiarkota, ao me dar um abraço me parabenizando, eu chorei alto tanto quanto uma criança. Não acreditava que tinha feito aquela montanha, talvez se eu soubesse o quanto ela seria difícil pra mim, eu não arriscaria fazê-la. O mesmo brasileiro que havia dito que foi uma das montanhas mais difíceis que ele já fez no condoriri, que havia dito pro alex para eu não fazer, depois me deu um abraço e me parabenizou por consegui-la.

A opinião das pessoas é importante, e temos que escuta-las, mas ninguém ainda possui o dom de prever ou mencionar sua capacidade, isso só você pode fazer: Tentando. Se você não conseguir, não tem problema, a montanha nunca vai sair de Lá, mas você precisa ir, para saber qual o seu limite, conhecer sua capacidade e acreditar em si.

Sobre o que disse na crista, que nunca mais escalaria Alta montanha, e que não escalaria o Huayna Potossi, eu estava apenas cansada, exausta e em um momento extremo, dois dias depois eu estava toda feliz no acampamento rocca do Huayna para tentar o cume!!

Com certeza eu encontrei nesta montanha uma grande marca do meu limite, cheguei onde não havia chegado, fiz coisas que não sabia que seria capaz de fazer e vi que o incentivo das pessoas pode mover um furacão dentro da gente. A todo tempo eu me lembrava de uma amiga que se encontra lutando contra o câncer, de como ela me ajudou, incentivou e acreditou em mim, e como uma montanha é a simbologia perfeita da luta que temos que exercer no dia a dia. Quis desistir, tive momentos extremos, adquiri autoconhecimento, tive que aprender a me concentrar no passo de agora, sem me desesperar ou antecipar as coisas e com certeza vi e vivi o fato de que não há vitória sem sacrifício (“no pain, no gain”), e assim como em todos os artigos que partilho este episódio, não posso deixar de agradecer todos que me apoiaram, cada um do seu jeito, longe ou perto, me conhecendo pessoalmente ou não, não chego no cume sozinha, eu chego empurrada por cada incentivo, por que acreditaram em mim até quando nem mesmo eu acreditei. E dedico esta ascensão principalmente à minha amiga Adriana Cristina Rosa, a minha grande Menina Dri!

Muito bons ventos à todos, Muita escalada, fé em si mesmo, e Superação de limite á todos!

Com Carinho,
Belle Duarte
www.buscandolimite.com.br

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