Extremos
 
COLUNISTA AYESHA ZANGARO
 
Sonhos no gelo, a expedição ao Denali
 
da Redação: Ayesha Zangaro
2 de junho de 2015 - 9:50
 
Ayesha Zangaro escalando o Denali (6194m).
 
  Roberta Abdanur  

Das pontes de gelo sobre o imenso glaciar Kahiltna, pelos fiordes musgo-esverdeados, até as florestas de taiga, estou de volta à Anchorage, maior cidade do mais frio estado norte-americano. Terra de gelo, em que o sol não se esconde nunca, foi extasiante viver vinte dias nessa parte tão remota do planeta.

Mais uma viagem, mais um país, mais uma montanha, terra de ninguém, cobiçada por tantos, vista por muitos, vivida por poucos. Queria eu encontrar melhores palavras para contar essa história que se desenhou sobre um mundo gelado, cheio de brancos coloridos, de pegadas apagadas para serem seguidas, de buracos tão fundos e azuis quanto meus olhos podiam enxergar e de uma imensidão tão maravilhosa, que faltava ar além dos efeitos da altitude.

Denali. O maior de todos. Chamado assim pela tribo que habitou por muito tempo as extensas terras próximas ao Círculo Polar Ártico. Maior montanha da América do Norte, se ergue sobre incontáveis metros de neve e gelo, se firma sobre blocos e blocos de pedra maciça; majestoso, dá nome ao mais famoso parque nacional do território do Alasca. Conhecida também como Mt. McKinley, essa montanha exige respeito a partir do momento em que coloca-se os olhos sobre ela.

Pois é, sabe o que é uma expedição de verdade? Eu não sabia até poucos dias atrás. Os dias lindos que nos receberam quase todas as manhãs me fez perder um pouco a dimensão de onde eu estava, e só agora começa a cair a ficha de tudo o que eu fiz. Foram 20 dias sem noite, 14 dias andando sobre gelo, 13 noites em barracas, 6 pessoas com pouco juízo e quase 60 quilômetros percorridos. Eu estive no cume da montanha mais alta do continente norte-americano. E ainda não sei dizer com certeza como consegui fazer isso.

Imensidão de neve desde o primeiro dia de caminhada, alternamos entre snow shoes e crampons para não afundar sobre a terra instável em que estávamos. Carregamos todo nosso equipamento em trenós e mochilas cargueiras. Mais de 50kg pra cada um, equipamento pessoal (roupas, equipamentos técnicos, itens de higiene, saco de dormir, isolantes), e coletivo. Experimentei um dia de exaustão completa, em que eu sabia que não tinha outra opção além de continuar levar meu corpo para o próximo acampamento, mas minhas pernas mal escutavam o que minha mente pensava. Extremos de temperatura em uma única hora, da tremedeira ao suor, de 3 casacos até as queimaduras de sol da pele exposta a radiação da neve.

     
     

Lidar com dores, com bolhas, com cansaço e músculos fibrilando. Minha memória para dor física é bem curta nesse tipo de viagem. Não sei o que fazia eu me mover a cada madrugada gelada que eu tinha que sair do saco de dormir quentinho, o que fazia acordar meus tendões doloridos e ir até a barraca dos meninos para tomar café da manhã, me vestir e desvestir para usar nosso baldinho de banheiro ou colocar uma mochila com mais da metade do meu peso e caminhar pra cima, pra lugar desconhecido. 

Foram dias duros, porém dias bonitos. Toda a subida até o High Camp foi emoldurada por céu azul e nuvens brancas no horizonte, regada com sol e brisas frescas durante a parte mais quente do dia. Bastante gente na trilha, quantas línguas e sotaques diferentes eu ouvi entre as respirações ofegantes durante todo o caminho. Andamos encordados todos os dias, nós seis brasileiros, separados em duas cordadas de três, cada um com sete braçadas entre cada. Sozinhos, mas juntos, cada um com seu passo, seguindo um ritmo em comum, ditado não por um líder, mas pela potência máxima de movimento que cada corpo bombeava. Foi um desafio imenso, aprender a estar nessa solidão coletiva, conseguir dar espaço para os meus próprios pensamentos enquanto tudo ao meu redor continuava vibrando e comunicando.

   
 
   

Foi uma expedição linda. De todas as histórias que ouvi de montanhistas sobre esse lugar, a única que consigo acreditar, é a minha. Um único dia de mal tempo, talvez para nos lembrar quem está no comando. Passei todos os dias nutrindo um respeito maior e maior por essa "mãe Terra" que nos enraíza no chão, explorei tantos limites físicos quanto podia imaginar e deixei minha imaginação e minha mente voarem até onde meus olhos podiam me levar. Arestas finas, paredes de gelo, gretas e seracs enormes, trovões, terremotos, sol, neve, frio e calor; tudo isso pra me lembrar que a vida é muito maior do que o costumeiro dia a dia dos meus dias. Fora da minha zona de conforto, mais uma vez, dividindo a felicidade de viver com quase nada com seis pessoas queridas. Amando a sensação de que apenas meu corpo me pertence, e vivendo em sociedade com a natureza selvagem dentro e fora de mim. Muito obrigada Carlos Santalena, por levar sonhos até os lugares mais altos do mundo, confio em você de olhos fechados e agradeço por poder compartilhar tudo isso com almas tão ligadas ao "ser" humano, como a sua. Obrigada Eduardo Sartor, Alexandre Haigaz e Thaís Pegoraro, por fazerem parte de tudo isso, por dividirem comigo os melhores momentos de todos esses dias, por compartilharem barracas, comida, sonhos e convicções. Muito obrigada pai e mãe, pela presença (física ou não), pelo apoio, pelo amor, cada passo que dei, nós demos juntos, como em todos os lugares.

Lembrando uma frase que falamos durante a viagem:

"Happiness is only real, when shared."

Chris McCandless

Agradecida por mais uma experiência de dimensões imensuráveis. Que a vida siga cheia de sonhos, tão altos quanto cada um pode sonhar.

     
     
     

beijos e aguardo comentários,
Ayesha Zangaro

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