Um sobrevivente do montanhismo!
Texto: Alê Silva
29 de janeiro de 2014 - 17:51
 
 
 
Um sobrevivente do montanhismo! Foto: Arquivo pessoal
 

Comecei a escalar tarde. Pelo menos pros padrões de hoje, onde vemos cada vez com mais frequência, crianças de 13 anos mandando vias de 10º grau.

Eu já tinha 19 anos, cursava arquitetura na FAU-USP e era conhecido na faculdade por fazer rapel no vão central do prédio, no meio do horário de aula... Putis, acabei de me delatar, já fui rapeleiro! Rs rs rs

Naquela época a recém inaugurada 90 Graus virou minha segunda casa. Eu saia das aulas direto pra lá por volta das 17 horas, mas tudo bem pois o ginásio só abria as 16:00, então não tinha “perdido” muito tempo, e só ia embora depois de enxotado pela Cynthia e Paulo Gil que queriam dormir!

Bons tempos em que minhas preocupações limitavam-se a fazer provas e treinar. Com tanto tempo livre, ou melhor, com tão poucas preocupações era fácil treinar.
Mandei meu primeiro 8º grau no terceiro mês de escalada, o que naquela época era algo impensável, uma evolução assim tão rápida.

Junto comigo naquela “geração 90” surgiram vários novos e fortes escaladores como o “Edinho” Kisho, o “Eduzinho” Carceroni, os irmãos Rodrigo e Alexandre “Linha” Paranhos, a Janine e Paloma Cardoso, dentre tantos outros nomes que bombavam os campeonatos daquela época.

Motivados pela geração anterior: Luis Cláudio Pita, Fabinho Muniz, Helmet Becker, André “Belê” Berezoski, Pietro Sargenteli, Mônica Pranz, Rosita Belink dentre tantos outros, treinávamos incansavelmente.

Como era mais fácil... 20 e poucos anos, 10 quilos a menos e tempo de sobra.

Felizmente tenho alguns títulos para recordar, como campeão paulista de 1995 e campeão brasileiro de velocidade em 1997. Mas minha carreira como competidor não durou muito. Apesar dessa “nova geração” ter um viés muito forte na escalada esportiva, eu nunca vi muita graça em ficar repetindo lances pra “mandar” determinada via, até por isso meu maior grau escalado nunca passou do 9º.
Não que eu não gostasse de vias esportivas, até gostava, mas preferia fazer 20 vias entre 7º e 8º grau do que ficar malhando a mesma de 9º.

Em 2000 eu abri uma via na Pedra do Baú chamada Bagulho Ignorante, acho que um 9b. Tentei meia dúzia de vezes e não consegui passar o crux na sequência, deixei pra lá!
Logo depois um batalhão de gente entrou e mandou a via, se não me engano alguns anos depois a Janine Cardoso foi a primeira mulher a encadená-la.

Os anos foram passando e meu caminho como escalador foi naturalmente tomando o rumo das vias clássicas, da alta montanha, das vias alpinas e gelo, ou seja, da roubada propriamente dita. Sempre achei que montanhista tem um pouco de masoquista em sua personalidade; gosta de sofrer!
Eu pelo menos amo esse “sofrimento gostoso” que só a montanha nos proporciona: Passar frio, ter os dedos das mãos e pés beirando o congelamento, carregar peso que nem um camelo, tomar chuva na cabeça, ralar os dedos, passar medo e no fim do dia ainda dormir mal com uma pedra no meio das costas; quem não quer isso? Risos...

Mas essa época de estudar e escalar acaba mais rápido do que a gente imagina... Depois que eu abri a Casa de Pedra, pude acompanhar de perto verdadeiros prodígios da escalada, uma molecada que nasceu lá dentro, em meio aos agarrões e negativos fortes. Uma molecada que em seis meses estava aquecendo nos oitavos e fazendo sequências em nonos graus!

Era só aula pela manhã e o dia todo na academia!
Mas aí vem o vestibular, a faculdade, a namorada pressionando, o estágio e por fim o trabalho.

Nestes mais de 15 anos, poucos destes moleques passaram ilesos a todo este processo. A grande maioria largou a escalada, perdeu o interesse, engordou, enfim... A vida chega depressa, sem pedir licença e quando você menos espera já está com o controle remoto na mão, jogando golfe e se hospedando em “resort”, daqueles de fichinhas coloridas que valem drinks na piscina!

Pois é, eu resisti!

Pensando bem, desde aquela época da faculdade eu: casei, fui pai da Manuela, me separei, casei novamente e este ano serei pai novamente. E passado todo esse processo estou aqui, escalando. As vezes menos, as vezes mais... Algumas temporadas mais em forma, outras um pouco mais gordinho.

Mas também aprendi que pouco importa o grau... Quero é me divertir, gastar meu tempo na montanha, conhecer o mundo desta forma única, que só nós montanhistas conhecemos.
Quero aproveitar e usar a montanha para educar meus filhos de forma diferente, mais humana, mais respeitosa com a natureza.

Eu sobrevivi a todos os obstáculos que a vida colocou em minha frente, sobrevivi (literalmente) aos perigos inerentes a escalada, e continuo aqui, motivado, apaixonado pelas montanhas e feliz por poder compartilhar com vocês todas essas experiências.

E você, a quanto tempo escala? Pra você a montanha é apenas uma moda que vai passar, ou você incorporou este estilo de vida tão especial?

Respeite a si mesmo, e deixe que o montanhismo incorpore-se ao seu estilo de vida e educação.
Pelo menos ao meu ver, você só tem a ganhar!



Boas escaladas,

Alê Silva
www.casadepedra.com.br