O meu Annapurna
da redação, texto: Adriana Miller - fotos: Aaron Miller
11 de julho de 2011 - 16:46
 
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POKHARA - Pegamos uma carona para visitar um templo na ilha do lago Pokhara, antes de começar o trekking.
 

Qualquer viagem que tenha o perfil de “aventura” trás consigo um altíssimo nível de expectativas: as distâncias mais longas, os as águas mais profundas e as altitudes mais altas. O ser humano tem a constante necessidade de ultrapassar seus limites, vivenciar novos ares e desbravar o desconhecido. Mas na região do Annapurna, no coração do Nepal, a superação vem de dentro – e fica dentro.

Tudo começou como tantas outras viagens: foram meses para planejar o roteiro, escolher a trilha, selecionar o guia. Depois veio a preparação física, a escolha minuciosa de equipamentos, até os detalhes finais da viagem que nos levariam ao centro dos Himalaias.

 
Dal Bhat
   
 
O famoso Lemon Tea  
   
 
Macarrão frito  
   

Vale ressaltar que minha experiência como montanhista não é das mais extensas – mas eu me sentia preparada. Nos últimos anos, entre trilhas nos Alpes Suíço, nas florestas do Rio de Janeiro e o cume do Kilimajaro na Tanzania, eu sabia que estava pronta para o Nepal!

Chegar no Nepal teve um misto de alívio e choque. Em contraste a sua vizinha India, o Nepal é um poço de tranquilidade; mas ainda assim, pra quem mora em Londres a tantos anos, as ruas de Thamel – o bairro dos mochileiros e alpinistas - no centro de Kathmandu são um verdadeiro universo paralelo!

Mas cair de amores pelo Nepal foi fácil, e a primeira vista!

Alguém me perguntou no Twitter “o que é que o Nepal tem?” e até agora ainda não tenho certeza... Mas o Nepal, por mais caótico que seja, tem uma energia única, e entre as placas em luz de neon, as motocicletas na contra-mão e os milhares de mochileiros pelas ruas – estamos todos ali unidos no mesmo sonho: conquistar os Himalaias!

Nós resolvemos criar nosso próprio roteiro, fugir dos pacotes de grupos e experimentar um Annapurna só nosso. Mas mesmo assim seguimos as recomendações de segurança e contratamos um guia e um carregador, que viraram nossos companheiros de viagem e nos deram uma aula sobre a vida no Nepal e uma lição de companheirismo nas montanhas.

Os dias de caminhadas foram muito mais difíceis do que eu imaginava. Apesar da altitude não ser tão elevada quanto outras trilhas e escaladas que já tinha feito, é uma trilha que demanda demais fisicamente – da cintura pra baixo, justamente os maiores músculos e os que demandam mais oxigênio, ficavam sobrecarregadíssimos, passando entre 6 e 9 horas por dia subindo e descendo escadas e escadinhas sem parar.

Nesses 8 dias de viagem (6 dias inteiros nas trilhas), fizemos o circuito Ghorepani – Poon Hill, que é uma pequena parte do circuito do Annapurna (que completo demoraría no minimo 25 dias) e muito comum entre os alpinistas que vão até o “ABC” (Annapurna Base Camp), a partir de Phokara.

Por causa da altitude, mais uma vez quis me preparar fisicamente e garantir que meu pulmão estaria em ótima forma pra aguentar o ar rarefeito a 3 mil metros de altitude, mas não imaginava que quem ia sofrer mesmo seriam minhas pernas...

 
Os vilarejos
   
 
Plantações em terraços  
   
 
Nossa 1ª ponte suspensa  
   

Claro que como qualquer tipo de atividade ao ar livre onde você passa grande parte do dia caminhando (e subindo ladeira, pra piorar ainda mais!), você sabe que vai ficar cansado, que as pernas e pés vão sofrer... mas subir e descer as escadas dos Himalaias não tem comparação!

As dores nas coxas, panturrilhas, joelhos e tornozelos eram constantes, o dia todo, todo dia, sem tempo pra recuperação....

E pra completar, o clima não colaborou com o estado geral das coisas – escolhemos uma época do ano (Abril/Maio) que pega justamente a primavera do Nepal, onde as trilhas já não estão mais congeladas do inverno, mas que ainda não começou a época de chuva das monções.

Então pegamos muito sol e calor nos primeiros dias da viagem – que teriam sido o cenário perfeito pra qualquer viagem, menos em uma viagem onde você passa 8 horas por dia andando e subindo escadas com uma mochila de 10 quilos nas costas!

Mas a medida que a altitude ia ficando mais elevada, a vegetação também ia mudando, e consequentemente o clima também virou – e nos últimos dias da viagem pegamos verdadeiros temporais de fazer os Himalaias estremecer, com direito a muito vento, chuva pesada, alagamentos e granizo. Muito granizo.

Mas o que mais me marcou no Nepal foi o senso de comunidade, de estar fazendo parte daquele mundo.

Apesar de ser considerada uma das regiões mais remotas e isoladas do mundo, de “solitário” os Himalaias não tem nada!

Só no parque ambiental do Annapurna são mais de 100.000 nepaleses nativos e descendentes de tibetanos que vivem nos vilarejos ao redor das montanhas, espalhados pelos muitos quilômetros de trilhas, fazendo do Annapurna sua casa.

Foram raros os momentos em que andamos mais de 30 minutos ou 1 hora sem cruzar algum vilarejo, sem cumprimentar um fazendeiro com um sorridente “namaste”, ou matar a curiosidade das crianças a caminho da escola pelas manhãs.

E que mundo diferente é aquele!

 
Onde estamos?
   
 
Fogão a lenha  
   
 
As escadas  
   

Tivemos o privilégio de fazer uma trilha 100% sem acampamento, então cada uma de nossas refeições e de noites passadas nas montanhas foram passadas na companhia de famílias nepalesas que abrem suas portas para visitantes, que além de gerar uma das maiores fontes de renda da região, ainda fazem de toda experiência ainda mais prazerosa!

E com a vantagem de ter um guia local só pra gente, ainda tínhamos o conhecimento local de saber qual das “famílias” em cada vilarejo tinha a comida mais fresca e a “mãe” mais habilidosa na cozinha!
Então a aventura gastronômica foi um outro ponto alto da viagem!

Todos os dias nosso café da manhã, almoço e jantar eram feitos em vilarejos diferentes que cruzavam nosso caminho, e a cada um deles – apesar do menu ser sempre o mesmo e sempre bem básico – tínhamos uma surpresa diferente.

Pra mim em especial foi fascinante observar a vida daquelas mulheres que cuidam da casa, da terra, dos animais e das famílias enquanto seus pais, maridos e irmãos migram pra outras cidades ao longo do ano. Nem por isso deixavam de abrir suas portas para nosso pequeno grupo, oferecendo um cantinho em frente a lareira e uma xícara de chá enquanto assistíamos seus malabarismos na cozinha rudimentar – com panelas de latão e fogão a lenha.

O menu, sempre com o básico e tradicional “Dal Bhat” (arroz com lentilhas) como carro chefe e MoMo (um bolinho cozido ou frito com recheio de vegetais) de acompanhamento, era o mais fresco e orgânico possível: depois de decidir o menu, a dona da casa da vez, descia em sua horta e colhia na mesma hora os ingredientes que estariam no prato cerca de meia hora depois!

E cada uma dessas refeições fazia com que esquecêssemos – pelo menos parcialmente – as duras e longas horas nas trilhas do Annapurna!

Mas a hospitalidade nepalesa não acabou por ai não, e todas noites parávamos pra dormir em algum outro vilarejo, onde dormíamos na casa de alguma família local, nos chamados “Tea House”, que mais uma vez nos serviam a melhor comida e os melhores quartos, em troca de um modesto pagamento (uma refeição e uma noite custavam em media 1 Dólar por pessoa).

 
O Himalaia ao fundo
   
 
Nosso destino final  
   
 
As lembrancinhas  
   

As Tea House em que ficamos variaram entre super simples (sem vidro nas janelas e banho de balde em cima do galinheiro!) as mais “ocidentais” com cerveja geladinha, cama macia e chuveiro com água quente no quarto! Mas, mais que tudo, abriam as portas para um outro mundo que muitas vezes esquecemos que existe – um mundo de necessidades básicas, onde seres humanos sobrevivem numa das regiões mais inóspitas do mundo sem perder a gentileza e o sorriso no rosto.

Minha atividade preferida era chegar no alojamento no fim do dia e ter tempo para conversar com outros guias, carregadores e as famílias que nos hospedavam – sempre que a comunicação permitisse, claro!

Entender como é a vida das pessoas que nasceram, cresceram e (provavelmente) vão morrer naquele mesmo lugar, considerado tão incansável por muito, mas que pra eles é simplesmente, “casa”.

Aprender com os homens que carregam a responsabilidade de sair de casa bem jovens e passar o ano todo ganhando dinheiro para suas famílias, que só vem poucas semanas por ano. E por outro lado, as mulheres que ficam sozinhas em seus vilarejos, com toda responsabilidade do mundo em seus ombros, esperando os homens voltarem.

Foi uma viagem onde mais do que superar o inalcançável (não foram as trilhas mais longas e muito menos as altitudes mais altas), abriu portas para o conhecido e desmistificou uma região que de isolada e esquecida no mundo não tem nada!

Se você quer ver mais, publiquei o vídeo de nosso trekking aqui em meu blog.